Falta mais do que efetivo e estrutura, falta gestão
Pode faltar efetivo, material, recursos e infraestrutura. No entanto, quando se fala em falência da segurança pública no Brasil, o protagonista é um só: a má gestão pública. Para quem há anos luta pelo aumento no número de funcionários nas delegacias e condições de trabalho justas, o argumento pode parecer estranho.
Mas não é. Basta fazer o seguinte questionamento, se o governo dobrasse hoje o número de profissionais da instituição, o problema estaria definitivamente resolvido? A resposta, certamente, seria não.
Ao mesmo tempo, fatos concretos apontam despejo de dinheiro público no setor com retorno zero. O investimento milionário em aviões da PF, que voaram quatro ou cinco vezes, e em rádios tetrapol que nunca foram utilizados, estão entre os gastos aleatórios.
A análise foi feita pelo especialista em segurança, Marco Antonio Scandiuzzi, durante o segundo dia do Congresso da Cobrapol, que teve início nesta terça-feira, na Câmara Municipal de Santos. O evento reúne representantes de diferentes estados, que buscam na união o fortalecimento dos Policiais Civis.
Após as estatísticas alarmantes e o discurso realista de Flavio Sapori ontem, na estreia do encontro na Baixada, o escrivão da Polícia Federal trouxe um novo viés para o panorama atual, nesta quarta. Com uma formação que o fez transitar pela PF e pela PC, Scandiuzzi falou com propriedade sobre o modelo equivocado de segurança utilizado no Brasil.
Ele afirma que o sistema destoa de todos os encontrados em países, onde o combate a criminalidade funciona.
“Já viu delegado sair da delegacia para atender ocorrência na rua? Institucionalizou-se ao longo dos anos que as PMs, apesar de serem ostensivas, atendem ocorrências no local do fato. É com isso que nos deparamos todos os dias.
Esquecemos que o princípio fundamental de resolução dos crimes é entender que quanto mais perto estiver do fato, mais chance terá de elucidar o crime. Aqui praticamos o ciclo incompleto de polícia. Militares vão ao local e não podem investigar, levam o documento para a polícia civil para revalidar o que foi feito pela PM.
Temos duas ações que muitas vezes não viram ação nenhuma”, explicou o, também, professor e administrador de empresas, que chega a comparar o modelo brasileiro a mesma ação de enxugar gelo.
De acordo com Scandiuzzi, nos EUA existem mais de cinco mil agências com poder de investigação, enquanto aqui a insegurança está intimamente relacionada a falta de esclarecimento das ocorrências. O motivo principal? Uma polícia meramente cartorial, que contraria os anseios daqueles que prestam concurso almejando desvendar crimes e, consequentemente, reduzir a violência.
“A parte mais importante de qualquer instituição é o seu ativo intelectual. O crime compete com as polícias com base no que usam de elementos de inteligência. E nós somos utilizados como ativo intelectual?”,
questiona o palestrante, recebendo a negativa da plateia.
Uma carreira com entrada pela base e caminhada até o topo é vista como funcional e justa, já que os agentes viram chefes por terem galgado os degraus do merecimento. Porém, o cenário é exatamente o contrário.
O indivíduo que entrou para investigar fica preso aos Boletins de Ocorrência no plantão, sob risco de ser penalizado caso não siga a cartilha.
“Viramos polícia de papel. E papel que não serve para nada. Criamos uma série de policiais voltados para a burocracia. Policial carteiro, policial porteiro, policial permanência, policial motorista, operador de telemarketing. Isso mostra a falência no nosso modelo de gestão, devido a centralização”, mencionou Scandiuzzi.
A esperança do especialista é o empenho de cada um na criação da lei orgânica para as polícias civis de todo o País. Ele entende que é preciso batalhar pelos conceitos de entrada única pela base, colocando a ideia dentro do Congresso Nacional.
“A solução não cai do céu e precisamos lembrar que cada caso que a gente deixa de investigar não é apenas um caso estatístico, nossa obrigação quando prestamos concurso é com o povo, que não tem defesa”.